A Mercearia da Aldeia
- Jorge Monteiro
- 30 de jul.
- 2 min de leitura
Houve um tempo, não assim tão distante, em que as aldeias portuguesas giravam em torno de lugares simples, mas essenciais. Um deles era, sem dúvida, a mercearia - pequena, modesta, mas cheia de vida, histórias e cheiros que hoje já quase se perderam na memória.
A mercearia da aldeia era mais do que um lugar onde se compravam coisas. Era o ponto de encontro, o centro de convivência, o lugar onde as novidades corriam mais depressa do que os jornais. Quase sempre instalada numa casa antiga de paredes espessas, com prateleiras de madeira escurecidas pelo tempo, exalava o cheiro misturado de enchidos, sabão azul e branco, bacalhau seco e café moído na hora.
Os produtos vendiam-se avulso, sem pressa nem desperdício. O arroz, o feijão, o açúcar e a farinha vinham em sacos grandes de serapilheira, e eram medidos com uma lata ou copo metálico, conforme o costume da casa. O azeite escorria de um garrafão de vidro escuro, direto para a garrafa que o cliente trazia de casa. Tudo era reutilizado, antes que a palavra sequer estivesse na moda.
Havia sempre um livro de registos, normalmente ao lado da caixa ou sobre o balcão, onde se anotavam as contas “à confiança”. Cada cliente tinha uma página com o seu nome e ali se escrevia tudo o que ia levando: um quilo de açúcar, um pacote de tabaco, uma caixa de fósforos... O pagamento? Só no fim do mês, quando havia dinheiro disponível, porque a palavra valia mais que qualquer contrato.
As crianças entravam tímidas, de mãos sujas e moedas contadas, para comprar rebuçados de mentol, pastilhas elásticas ou um pau de marmelada embrulhado em papel vegetal. E saíam com mais um sorriso do que produtos, porque o senhor da mercearia - quase sempre o mesmo durante décadas - sabia que aquele tostão podia bem faltar lá em casa.
Na mercearia vendia-se de tudo um pouco: sal, velas, pregos, botões, sabão para a roupa, vinho a copo, cereais, fósforos, latas de conserva e até tecidos ou linhas de costura. Era um pequeno mundo, adaptado às necessidades de uma vida simples mas completa.
Com o tempo, muitas fecharam portas. Outras transformaram-se ou resistem, escondidas no interior profundo, servindo os poucos que ainda ficam - e os que regressam à procura do que a vida moderna já não dá: a proximidade, a confiança, a medida certa das coisas.
Porque uma mercearia de aldeia não vendia só produtos: vendia tempo, vendia histórias… e vendia memória.
Postal publicitário da casa comercial de António dos Santos (venda de fazendas de lã e algodão, ferragens, artigos de mercearia e tabacos) - 1917
Mais tarde foi o estabelecimento comercial de Manuel Augusto da Silva, com venda de mercearia, fazendas, vinhos, ferragens, urnas funerárias,....
A mercearia do sr Augusto onde também se recebia o dinheiro do leite que era depositado no posto próprio para o efeito.