O Ritual do Cobranto (ou Quebranto)
- Jorge Monteiro
- 8 de ago.
- 2 min de leitura
O cobranto, também conhecido como quebranto em várias regiões de Portugal, é uma prática ancestral inserida no âmbito das crenças populares ligadas ao mau-olhado ou à influência negativa de terceiros sobre uma pessoa, geralmente involuntária, causada por inveja, admiração excessiva ou más intenções.
Este “mal” invisível manifestar-se-ia sobretudo em crianças pequenas, mas também em adultos ou até em animais, através de sinais como choro contínuo, febre sem causa aparente, fraqueza, dores inexplicáveis ou perturbações do sono. Em contextos rurais, onde Santana não era exceção e a medicina moderna era escassa, estas manifestações eram muitas vezes interpretadas como resultado de forças ocultas ou de um desequilíbrio espiritual.
O ritual mais comum associado ao cobranto inclui o uso de azeite e água como forma de diagnóstico e cura:
Diagnóstico: Coloca-se água num prato ou taça e, com cuidado, deixam-se cair algumas gotas de azeite.
Se o azeite se espalhar, ou parecer “desaparecer” na água, acredita-se que a pessoa foi atingida pelo cobranto. Se as gotas permanecerem intactas, o mal não está presente. Purificação / cura: O ritual pode ser acompanhado de orações ou rezas antigas ditas por alguém “de sabedoria”, geralmente uma mulher idosa da comunidade. Em certos lugares, também se envolvia a pessoa afetada com folhas de couve, como forma de absorver o mal. O ritual podia ser repetido durante vários dias, até que os sinais de recuperação fossem evidentes.
Este tipo de prática encontra-se sobretudo em regiões rurais de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo e Algarve, e resiste ainda hoje entre algumas comunidades, especialmente entre pessoas mais velhas. Apesar de não ter base científica, o cobranto faz parte de um sistema tradicional de crenças e cuidados, onde o valor simbólico, a fé e o poder da palavra desempenham um papel central.
Mais do que superstição, o cobranto é um reflexo de como as comunidades procuravam explicar e lidar com o sofrimento, num tempo em que a medicina era inacessível para muitos. Estes rituais ajudavam também a fortalecer laços comunitários e a criar espaços de cuidado partilhado, onde a sabedoria popular servia de guia perante o desconhecido.
A título de curiosidade aqui fica o exemplo de uma reza/benzedura, a qual era repetida três vezes enquanto se fazia o sinal da cruz:
“Deus te viu,
Deus te criou,
Deus te livre
De quem para ti mal olhou.
Em nome do Pai, do Filho,
e do Espírito Santo,
Virgem do Pranto,
Tirai este quebranto.”
Após rezar, molha‑se o dedo no azeite e deixam‑se cair cinco gotas num prato com água — se o azeite se espalhar, o quebranto está presente; repete-se até que as gotas se mantenham juntas, sinal de que o mal foi removido.
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