O Trabalho Feminino nos Arrozais da Quinta de Fôja
- Jorge Monteiro
- há 5 dias
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Localizada na região fértil do Baixo Mondego, a Quinta de Fôja insere-se num território marcado, sobretudo a partir do século XIX, pelo desenvolvimento da agricultura intensiva, com especial destaque para o cultivo do arroz. Este cereal, exigente em termos de mão-de-obra, impunha um calendário agrícola rigoroso e sazonal, que mobilizava vastos contingentes de trabalhadores, entre os quais se destacavam, de forma particularmente expressiva, as mulheres rurais.
As tarefas associadas à produção do arroz - sementeira, transplantação das plantas para os arrozais alagados, mondas (limpeza das ervas daninhas), colheita, secagem e empilhamento - eram, em larga medida, executadas por mulheres. Estas atividades exigiam resistência física, paciência e destreza manual, sendo desempenhadas, na maioria das vezes, em condições extremamente duras, com longas jornadas iniciadas ao nascer do sol, pés descalços na água, sob o calor intenso e sem garantias laborais ou proteção social.
Entre essas trabalhadoras, destacamos as mulheres oriundas de Santana. Em grupos organizados, muitas destas mulheres deslocavam-se a pé ou em carroças rudimentares até aos campos de arroz, onde desempenhavam funções como jornaleiras sazonais - isto é, contratadas apenas durante os períodos de maior necessidade agrícola, sem vínculo laboral estável. Esta forma de trabalho, ainda que precária e mal remunerada, assumia um papel crucial na economia familiar destas mulheres. Para muitas famílias camponesas de Santana, o rendimento obtido durante a campanha do arroz representava um complemento indispensável ao orçamento doméstico, permitindo adquirir bens básicos, pagar dívidas ou enfrentar períodos de escassez.
Apesar da dureza das tarefas e da ausência de reconhecimento institucional, o trabalho nos arrozais promovia também formas de solidariedade e resistência coletiva, sobretudo entre mulheres. Relatos orais recolhidos na região mencionam a partilha de cânticos durante o trabalho, momentos de entreajuda, apoio mútuo no cuidado das crianças e até ações simbólicas de protesto, como atrasos organizados ou pausas combinadas, que serviam como formas silenciosas de reivindicação de melhores condições.
Estas mulheres de Santana - tal como muitas outras na região do Baixo Mondego - integravam uma força de trabalho invisibilizada nos discursos oficiais, mas absolutamente essencial para o funcionamento do sistema agrícola local. A sua presença constante nos campos, o saber prático transmitido entre gerações e o contributo efetivo para a produção de arroz fazem parte de um património imaterial que importa preservar e valorizar.
A memória deste trabalho feminino resiste hoje através de testemunhos orais, fotografias antigas e alguns estudos regionais, que procuram devolver visibilidade a estas mulheres e ao papel fundamental que desempenharam na economia agrária e no tecido social do Baixo Mondego. Na Quinta de Fôja, como em tantas outras explorações agrícolas da região, estas mulheres deixaram marcas silenciosas que persistem na paisagem, na cultura local e na história de resistência das comunidades rurais.

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