Santana
- Jorge Monteiro
- 18 de set.
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A localidade de Santana, freguesia do concelho da Figueira da Foz, está situada na região da Beira Litoral, integrando o distrito de Coimbra. A sua história, embora discreta nos grandes manuais da historiografia nacional, está profundamente enraizada na identidade religiosa e rural do território, marcada por episódios singulares, traços geográficos específicos e um património de devoção popular que perdura até aos nossos dias.
Do ponto de vista arqueológico, não existem evidências claras de ocupação humana em Santana durante os períodos pré-históricos. A única referência relevante prende-se com a descoberta de um aglomerado de sílex no leito do Rio Fôja, no entanto, a localização exata e o contexto do achado não permitem retirar conclusões definitivas sobre uma presença humana sistemática nessa época. Também não se conhecem sinais de povoamento anterior ao século XVII.
A povoação ergue-se sobre areias de origem geológica recente, em terreno plano e sem relevo notável. A vasta extensão de pinhais que a circunda reforça o seu isolamento natural, tornando difícil qualquer vista panorâmica significativa sobre a povoação ou a sua envolvente.
Nos arredores, destaca-se o Monte de Santa Olaia, local de grande importância estratégica e histórica. Terá existido ali, em tempos remotos, um castelo de origem romana, que desempenhou um papel relevante na defesa da cidade de Coimbra durante os primeiros séculos da Reconquista. Em 1166, D. Afonso Henriques doou-o a D. Teotónio, primeiro prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Ainda hoje se ergue nesse outeiro a Capela de Santa Olaia, estrutura possivelmente edificada na mesma época, embora profundamente transformada ao longo dos séculos. Um dos seus elementos distintivos - um painel de azulejos datado da segunda metade do século XVII - foi entretanto retirado numa das várias remodelações. No seu interior, de grande simplicidade, destaca-se o arco cruzeiro e a imagem de Santa Olaia, datada de 1671.
Já no centro da povoação encontra-se a Capela de Santa Ana, padroeira da terra e figura de grande devoção local. Trata-se de um edifício do século XVII, cuja arquitetura se inspira no setecentismo regional, visivelmente austero e despojado de ornamentos na sua fachada. Sobre o portal principal está gravada a data de 1896, alusiva à vigésima nona remodelação do templo. A primeira intervenção registada remonta a 1766, como se pode observar na inscrição presente no coro alto. No seu interior, a capela abriga um importante conjunto de imagens devocionais, incluindo representações de Santa Ana, Santo António, Rainha Santa Isabel, Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora de Fátima, Menino Jesus de Praga, São Judas Tadeu, São Joaquim, Nossa Senhora das Dores e Santa Eulália.
Nas imediações de Santana situa-se a imponente Quinta de Fôja, outrora pertencente à Congregação dos Crúzios de Santa Cruz de Coimbra. Esta extensa propriedade privada, com uma área de cerca de mil hectares, é em parte dedicada à cultura do arroz, ocupando aproximadamente 750 hectares. No seu interior conserva-se ainda uma capela dedicada a Santa Conceição, fundada em 1593, onde se destaca a campa de D. Tomás da Conceição, Prior-Geral da Congregação Crúzia.
A origem do povoamento de Santana está envolta em tradição oral e lenda popular, transmitida ao longo de gerações. Conta-se que, por volta de 1646, quando toda a região era ainda um denso matagal, um homem apelidado de “Fura-Matos”, que costumava atravessar aqueles terrenos em direção às terras da Gândara, se viu subitamente cercado por lobos. Em momento de desespero, dirigiu uma prece fervorosa a Santa Ana, prometendo-lhe, caso escapasse com vida, erguer uma capela em sua honra no local da aflição. Salvo do perigo, cumpriu a promessa. A construção da capela atraiu, pouco depois, os frades Crúzios, que ali se instalaram e edificaram uma pequena residência, ainda hoje conhecida como “Escola Velha” - considerada o embrião da atual povoação.
O topónimo Santana terá, assim, origem direta na devoção a Santa Ana, cuja proteção a comunidade reconhece como fundadora e guardiã espiritual da terra.
Administrativamente, Santana foi sede de freguesia desde 1987 até ao ano de 2013, data em que, no âmbito da reforma administrativa nacional, o seu território foi integrado na freguesia de Ferreira-a-Nova, perdendo autonomia, mas não identidade. Em 2025 voltou a readquirir o estatuto de freguesia.
A sua história, preservada na arquitetura, na fé e na memória oral, continua viva no coração dos que nela habitam e daqueles que nela reconhecem um pedaço do património cultural da Beira Litoral.

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