Serração da Velha
- Jorge Monteiro
- 30 de set.
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de out.
A tradição da "Serração da Velha" é uma prática popular portuguesa de cariz satírico e ritualístico, com raízes antigas, ligada geralmente ao tempo da quaresma, e presente, sobretudo, nas regiões do Centro e Norte de Portugal. É uma tradição com múltiplos significados - alguns festivos, outros moralistas ou até subversivos - e tem sido alvo de reinterpretação ao longo dos tempos.
A "Serração da Velha" insere-se no ciclo de tradições da quaresma, um período marcado por jejum, penitência e reflexão, tem raízes pagãs e medievais, mas foi reinterpretada à luz da moral cristã e dos costumes locais, podendo ter relação com rituais de morte simbólica do inverno e renascimento da primavera ou com críticas sociais disfarçadas de sátira.
"Serrar" significa raspar, esfregar ou raspar com barulho, o que explica alguns dos elementos sonoros desta tradição. Na "Serração da Velha", o termo pode ter um sentido metafórico: o "serrar" da velha representa o criticar ou escarnecer alguém mais velho, geralmente uma mulher, simbolizando a hipocrisia, avareza ou os vícios sociais.
A "Velha" é uma figura simbólica, que pode representar o inverno (em oposição à juventude/primavera), a hipocrisia social ou os pecados da comunidade, a autoridade opressiva (por vezes ligada ao poder feminino mais velho e controlador) ou, simplesmente, uma personagem-tipo ridicularizada, por ser avarenta, maldizente, moralista, etc.
As práticas variam conforme a região, mas alguns elementos comuns incluem: leitura do testamento da Velha (em tom burlesco, lia-se o "testamento" da velha, satirizando os habitantes locais, figuras da comunidade, fofocas ou tensões sociais). Os "bens" da velha eram deixados a personagens caricaturais - "Deixo a minha língua comprida à mulher do padeiro…", etc.
Podia haver uma figura de palha representando a velha, arrastada pela aldeia ou queimada no final. Em alguns locais, rapazes mascaravam-se de mulher velha ou carregavam bonecos. Usavam-se objetos ruidosos como latas, tachos, sinos ou chocalhos - tanto para "serrar" simbolicamente a velha como para atrair a atenção da comunidade.
Esta tradição representava uma crítica social disfarçada (permitida num tempo de suposta penitência, a sátira era uma forma controlada de catarse comunitária); uma regulação social (expor ou escarnecer condutas reprovadas - verdadeiras ou inventadas - funcionava como um aviso coletivo); um ritual de transição (simboliza o fim do inverno, o fim de comportamentos velhos e o início de nova vida).
Apesar de não existirem registos materiais que o atestem, os relatos orais dos habitantes mais antigos indicam que esta tradição também se praticou em Santana, mais concretamente na Sociedade Musical Santanense.
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